Seymour Hersh ataca mídia por promover boatos sobre hacking da Rússia

O jornalista e vencedor do Prêmio Pulitzer Seymour Hersh declarou, em entrevista, que não acredita que o corpo da inteligência dos EUA tenha provado a teoria de que o presidente Vladmir Putin teria comandado uma campanha de hacking voltada para assegurar a eleição de Donald Trump. Ele criticou as organizações jornalísticas por reproduzirem de forma preguiçosa as suposições de oficiais da inteligência norte-americana como se fossem fatos estabelecidos.

 

Jeremy Scahill, do The Intercept, conversou com Seymour Hersh em sua casa em Washington, dois dias antes da cerimônia de posse de Trump.

Hersh denunciou as empresas de jornalismo como insanas ao promoverem de forma acrítica os pronunciamentos do diretor da inteligência nacional e da CIA, considerando seu histórico de mentiras e influência sobre o público.

“A forma como eles se comportaram [a mídia] no caso da Rússia foi um escândalo”, disse Hersh, quando estive com ele em sua casa em Washington, dois dias antes da cerimônia de posse de Trump. “Eles estavam tão inclinados a acreditar em alguma coisa. E, quando os chefes da inteligência dão a eles aquele resumo das alegações, em vez de criticar a CIA por fazer isso, que é o que eu teria feito, eles noticiam como fato.” Hersh afirmou que a maioria das organizações jornalísticas deixou passar um componente importante da notícia: “até que ponto a Casa Branca permitiria à agência levar o estudo a público.”

Hersh disse que muitos veículos de comunicação falharam em dar contexto às reportagens sobre as investigações divulgadas durante os últimos dias do governo Obama, que foram prorrogadas para afastar qualquer dúvida de que o presidente russo Vladmir Putin tenha ordenado o hackeamento dos emails do assessor de campanha de Clinton, John Podesta.

A versão publicada do relatório, que foi lançada em 7 de janeiro e dominou o notíciário por dias, declarava que Putin “comandou uma campanha de influência em 2016 direcionada à eleição presidêncial dos EUA”e “procurou ajudar nas chances de eleição de Trump quando possível, diminuindo a credibilidade de Clinton e pondo-a em contraste com Trump publicamente, de forma desfavorável a ela.” De acordo com o relatório, a NSA teria tido um nível menor de confiança do que James Clapper e a CIA tiveram sobre a conclusão de que a Rússia planejava influenciar a eleição. Hersh caracterizou o relatório como cheio de suposições e carente de evidências.

“É coisa de alto nível”, disse Hersh ao The Intercept. “O que significa um estudo? Não se trata de um documento formal da inteligência nacional. Se você tivesse um documento formal de fato, você teria cinco ou seis vozes discordantes. Uma vez, disseram que 17 instituições do governo estavam de acordo. É sério? A Guarda Costal e a Aeronáutica – todas concordaram com aquilo? E era absurdo, ninguém deu aquela notícia. Um estudo é simplesmente uma opinião. Se eles tivessem um fato, eles dariam a você. Um estudo é só isso. É uma crença. E eles já fizeram isso muitas vezes.”

Hersh também questionou o momento escolhido para levar a Trump o relatório da inteligência americana sobre as descobertas de hacking da Russia. “Estão levando isso a um cara que será presidente em dois dias, estão dando a ele esse tipo de coisa e acham que isso, de alguma forma, vai tornar o mundo melhor? Isso vai levá-lo à loucura – me levaria à loucura. Talvez não seja tão difícil deixar ele louco.” Hersh disse que, se estivesse cobrindo o caso, “teria transformado [John] Brennan em um palhaço. Um bufão barulhento, nos últimos dias. Em vez disso, tudo é noticiado como se fosse sério.”

Poucos jornalistas no mundo sabem mais sobre a CIA e as operações obscuras dos EUA do que Hersh. O lendário repórter divulgou o caso do massacre de My Lai no Vietnã, a tortura em Abu Ghraib e os detalhes secretos do programa de execuções de Bush-Cheney.

Na década de 70, durante as investigações da Comissão Church no Congresso sobre o envolvimento da CIA em golpes de estado e execuções, Dick Cheney – na época, um aliado próximo do presidente Gerald Ford – pressionou o FBI a perseguir Hersh e abrir um processo contra ele e o jornal New York Times. Cheney e o então chefe da equipe da Casa Branca, Donald Rumsfeld, estavam furiosos por Hersh ter divulgado, com base em informações de fontes internas, uma incursão secreta em águas soviéticas. Eles também queriam retaliação pela exposição da espionagem ilegal da CIA dentro do país. O objetivo de usar Hersh como alvo seria causar medo em outros jornalistas para que não expusessem ações secretas ou controversas da Casa Branca. O advogado-geral rebateu os pedidos de Cheney, declarando que isso “conferiria um selo oficial de veracidade à notícia”.

Secretário de Imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, convoca um repórter durante a conferência diária na Casa Branca, em Washington, 24 de janeiro de 2017. F

Secretário de Imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, convoca um repórter durante a conferência diária na Casa Branca, em Washington, 24 de janeiro de 2017.

oto: Susan Walsh/AP

Apesar de ser crítico em relação à cobertura jornalística da Russia, Hersh condenou os ataques do governo de Trump à imprensa e suas ameaças de limitar a capacidade dos jornalistas de cobrir a Casa Branca. “O ataque à imprensa vem diretamente do nazi-fascismo”, afirmou. “É preciso voltar à década de 30. A primeira coisa que você destrói é a imprensa. E o que ele pretende fazer? Ele pretende intimidá-los. O fato é que a primeira emenda constitucional é uma coisa maravilhosa e, se você começar a atropelar isso do jeito que estão fazendo – espero que não façam desse jeito – seria muito contraproducente. Ele vai ter problemas.”

Hersh também afirmou estar preocupado com Trump e sua administração assumindo o poder sobre os vastos recursos de vigilância do governo dos EUA. “Eu posso te dizer, meus amigos ‘de dentro’ já me avisaram que vai haver um grande aumento na vigilância, um aumento dramático na vigilância dentro do país”, afirmou. Ele recomendou que qualquer pessoa que se preocupe com privacidade use aplicativos de encriptação e outras formas de proteção. “Se você não tem o Signal, é melhor ter o Signal [aplicativo de segurança].”

Ao mesmo tempo em que expressou seus medos sobre a agenda de Trump, Hersh também se referiu a Trump como uma potencial “quebra de ciclo” do sistema político bipartidário nos EUA. “A ideia de alguém sair quebrando as coisas e levantando sérias dúvidas sobre a viabilidade do sistema partidário, particularmente do Partido Democrata, não é uma má ideia”, disse Hersh. “É algo em que podemos nos apoiar no futuro. Mas temos que descobrir o que fazer nos próximos anos.” Ele completou: “Eu não acredito que a noção de democracia vá ser tão posta à prova algum dia quanto será agora.”

Nos últimos anos, Hersh tem sofrido ataques por suas reportagens investigativas sobre diversas políticas e ações autorizadas pelo governo de Obama, mas ele nunca desistiu de sua abordagem jornalística agressiva. Sua matéria sobre a operação que matou Osama bin Laden era dramaticamente contrária à versão do governo, e sua investigação sobre o uso de armas químicas na Síria levantou dúvidas sobre a declaração oficial de que Bashar al Assad teria ordenado os ataques. Embora tenha recebido muitos prêmios por seu trabalho, Hersh disse que glória e condenação não têm impacto em seu trabalho como jornalista.

A entrevista de Jeremy Scahill com Seymour Hersh pode ser ouvida no novo podcast semanal do The Intercept, Intercepted, com estreia em 25 de janeiro. Foto de destaque: o jornalista Seymour Hersh em Perugia, Itália, em 1º de abril de 2009.

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