Uber investiga assédio sexual nos escritórios, mas ignora denúncias de motoristas mulheres nas ruas

Pouco depois do início do funcionamento da Uber em Los Angeles, em 2012, Rachel Galindo comprou um carro novo e se inscreveu na plataforma como motorista. Ela era carpinteira certificada, mas as construtoras que costumavam chamá-la pararam de ligar depois que fez a transição de gênero. Na Uber, Galindo esperava se proteger da transfobia – afinal, as propagandas da empresa traziam todas a irresistível promessa: “Seja seu próprio chefe”.  

O assédio começou quase que imediatamente.

Ela conta que, em três ocasiões diferentes, passageiros entraram no carro dela e perguntaram direto: “Quanto é uma chupada?” Outro cliente se referiu a ela como “isso” durante toda a corrida. Quando Galindo pediu que parasse, ele respondeu: “Bem, é que eu não sei ‘o que’ você é”.  

Galindo registrou diversas reclamações sobre incidentes como esses na empresa, mas afirma que a Uber se resumia a responder com e-mails genéricos. Só depois de três anos de frequentes queixas, um funcionário ligou para conversar sobre os reiterados episódios de assédio.

“Eu não parava de pedir socorro”, ela conta. “Mas ninguém me escutava”.  

Galindo vê semelhanças entre a experiência dela e a de Susan Fowler, ex-engenheira da sede da Uber no Vale do Silício, que publicou em seu blog, em fevereiro, um texto sobre a cultura de assédio dentro da empresa. Em questão de horas, a diretoria reagiu: Arianna Huffington, que é membro do conselho, exigiu apuração do caso; Eric Holder, ex-procurador-geral dos Estados Unidos, foi contratado para liderar a investigação; Travil Kalanick, diretor executivo da corporação, convocou uma reunião geral, durante a qual, segundo relatos, chorou de remorso. (Nem Huffington nem Holder responderam aos nossos pedidos para comentar o caso)

Diante dos desdobramentos do escândalo Fowler, Galindo conta que se sentiu ignorada. “Eu realmente acho que Susan [Fowler] e eu fomos vítimas da mesma cultura de ‘clube do Bolinha’ que existe na Uber”, afirma ela. “Mas para nós, motoristas mulheres, é diferente. A empresa nos vê como dispensáveis, sem valor nenhum”.  

A Uber passa atualmente por uma reformulação geral das políticas relativas a assédio sexual – o que deveria ter sido concluído no mês passado, mas, numa circular endereçada aos funcionários em meados de abril, April Huffington afirmou que Holder estenderia o trabalho até o fim de maio “para garantir que nada ficasse debaixo do tapete”. Apesar das promessas de uma apuração meticulosa, um representante da empresa confirmou que a revisão das normas sobre assédio sexual só diz respeito aos funcionários em tempo integral, como Fowler. Galindo e os demais motoristas não se encaixam nessa categoria, pois são autônomos, conforme explicou esse mesmo representante.  

Dentro do universo da Uber, é pequeno o número de mulheres na mesma situação trabalhista de Fowler. Tecnicamente, a empresa só tem cerca de 2 mil funcionárias em tempo integral. A grande maioria é de motoristas independentes, como Galindo. De acordo com dados da própria Uber, que costuma fazer uma divulgação bem seletiva de informações – normalmente, quando elas são convenientes para o departamento de Recursos Humanos -, cerca de 20% dos motoristas são mulheres. Foi divulgado também que, em 2015, 230 mil novas motoristas se inscreveram na plataforma. A promessa é ultrapassar, até 2020, um milhão de motoristas mulheres – um marco importante, já que a Uber disputa clientes mulheres com outras startups, como a Saft, voltada para o público feminino.

Vehicles sit in rush hour traffic between the Interstate 405 and 10 freeways in this aerial photograph taken over Los Angeles, California, U.S., on Friday, July 10, 2015. The greater Los Angeles region routinely tops the list for annual traffic statistics of metropolitan areas for such measures as total congestion delays and congestion delays per peak-period traveler. Photographer: Patrick T. Fallon/Bloomberg via Getty Images

Fotografia aérea mostra tráfego intenso nas autoestradas 405 e 10, em Los Angeles (2015).

Foto: Patrick T. Fallon/Bloomberg News/Getty Images

Motoristas mulheres que trabalham para a Uber vivem numa espécie de limbo, no qual uma grande empresa de tecnologia faz experimentos com um novo tipo de relação trabalhista. São consideradas trabalhadoras autônomas, apesar de a Uber exercer um controle significativo sobre a profissão. A empresa pode, por exemplo, demitir motoristas que não são bem avaliados ou que cancelam viagens com muita frequência, conforme noticiou recentemente o New York Times. A companhia lança mão até de truques psicológicos e técnicas de persuasão subliminar para estimular os motoristas a trabalhar mais. Além disso, as motoristas ainda enfrentam os mesmos obstáculos que qualquer outra mulher que trabalhe na área de serviços. Elas estão tão expostas a cantadas e assédio quanto uma atendente da Starbucks, por exemplo. O comportamento abusivo de um cliente não é culpa da empresa.

Só que a Uber criou um esquema totalmente novo: recrutou milhares de mulheres para ficarem sozinhas com estranhos em carros particulares, que não têm nem aquela separação de vidro tradicional dos táxis americanos. Mas também são inéditos os recursos que a empresa tem para criar um ambiente de trabalho seguro para essas mulheres, já que tem acesso a pilhas de dados sobre seus clientes: seus nomes verdadeiros, números de telefone, dados bancários, seus deslocamentos e trajetos habituais. Ao contrário da  Starbucks, a Uber pode excluir unilateralmente da plataforma clientes que cometem assédio. Mas, de acordo com as motoristas, enquanto uma quantidade incalculável de recursos é investida para recrutar e manter motoristas na plataforma, a prevenção e a investigação de casos de assédio sexual no ambiente de trabalho não vem merecendo a mesma atenção.

“Essa cultura chauvinista da empresa é uma coisa que nós, mulheres motoristas, sentimos muito intensamente”, afirma Tracy, motorista de Portland, Oregon, que administra uma comunidade online de mais de mil motoristas mulheres. Tracy pediu para usar um pseudônimo por medo de sofrer represálias da Uber. Ela aconselha outras motoristas sobre segurança no trabalho. E conta que, das dezenas de colegas que já orientou, nenhuma se disse satisfeita com a maneira como Uber responde a relatos de assédio ou de investidas sexuais no horário de trabalho.

Former Uber driver, Rachel Galindo takes a spin around her neighborhood in the car she often used for work with the company on April 30, 2017, in Los Angeles, California. As a transgender person, Galindo says she faced a lot of discrimination while driving for Uber.

Rachel Galindo, ex-motorista da Uber, dirige pela vizinhança para mostrar ao fotógrafo de The Intercept o carro que costumava usar para trabalhar, em Los Angeles (30/04/17).

Foto: Dania Maxwell para The Intercept

“É uma questão complicada, tem muito ‘ele disse, ela disse’”, admite Tracy. Mas ela argumenta que a atual política da empresa de responder reclamações com mensagens genéricas (algumas das quais aparentemente pré-formatadas) não está à altura de questões complexas como essas. Em dois anos de trabalho, Tracy nunca ficou satisfeita com a maneira com que a Uber lidou com casos de assédio sexual vividos por ela. Em duas ocasiões, a empresa simplesmente não respondeu. Na primeira delas, um casal tinha feito sexo dentro do carro; na outra, o passageiro parecia estar ameaçando fisicamente a parceira.

“Fico perplexa quando a Uber diz que leva muito a sério casos de assédio sexual a motoristas”, desabafa Tracy. Para ela, se uma motorista é levada a interromper a corrida por conta do assédio de um passageiro, a Uber deveria, pelo menos, ligar e dizer que vai investigar seriamente o incidente, em vez de simplesmente classificar o episódio como mais uma corrida de qualidade abaixo da média.

A Uber contesta as afirmações de Tracy. “O assédio sexual não é tolerado”, diz a Uber, em nota enviada pela assessoria. “Queremos que todos tenham uma boa experiência conosco. Para isso, respeito mútuo é fundamental. Qualquer pessoa que viole as diretrizes da nossa comunidade está passível de perder o acesso ao serviço”. O assessor afirma ainda que sempre que uma denúncia de discriminação ou assédio é investigada, a empresa “contata o motorista por telefone para saber mais informações e verificar se ele ou ela está bem. Depois disso, realizamos uma reconstituição da situação, o que inclui falar com o motorista, conferir seus dados e histórico de viagem, bem como outros fatos relevantes”.

O assessor mostrou ainda um texto no site da empresa, cujo título é “A Regra de Ouro”: “Trate os outros da mesma forma que você gostaria de ser tratado. É uma verdade universal que todos nós aprendemos com nossos pais”, diz o post. “Isso é importante para nós aqui na Uber”.

The driver rating screen in an Uber app is seen February 12, 2016 in Washington, DC.Global ridesharing service Uber said February 12, 2016 it had raised $200 million in additional funding to help its push into emerging markets.The latest round comes from Luxembourg-based investment group LetterOne (L1), according to a joint statement. / AFP / Brendan Smialowski (Photo credit should read BRENDAN SMIALOWSKI/AFP/Getty Images)

Tela mostra a avaliação do motorista no aplicativo da Uber, em Washington (12/02/2016).

Foto: Brendan Smialowski/AFP/Getty Images

Contudo, motoristas mulheres podem frequentemente se deparar com um dilema. A Uber classifica seus motoristas com base numa escala de cinco estrelas. Se a média de um deles cair alguns décimos abaixo da nota máxima, a Uber pode demiti-lo. Portanto, mulheres se sentem coagidas a responder a assédios sexuais com um sorriso.

“Por conta desse tipo de avaliação, há um medo generalizado de perder o emprego”, conta Bhairavi Desai, diretor executivo da Aliança dos Taxistas de Nova York, sindicato que conta com mais de 5 mil motoristas de Uber. “Muitas das mulheres são trabalhadoras que lutam para pagar as contas no fim do mês”. As taxistas enfrentam há anos esses mesmos problemas de assédio, mas, para Desai, a divisória de vidro dá a elas um maior sentimento de segurança. E contrariamente às motoristas de Uber, as taxistas não podem ser demitidas só com base em avaliações negativas.

Danielle, da Califórnia, lembra bem de uma corrida angustiante, quando aguentou em silêncio o assédio de passageiros bêbados por medo de ser mal avaliada. “Quando eu disse que tinha sete filhos, um deles falou: ‘Sua vagina deve estar detonada’”, me contou ela durante uma entrevista para o site The Verge. “Dirigir na Uber é meu trabalho. Se minhas avaliações pioram, posso perdê-lo”. Então, em vez de entrar em confronto com passageiros bêbados, Danielle riu junto com eles.

O assessor da Uber afirma que motoristas que julgam uma avaliação injusta ou que querem delatar passageiros problemáticos podem fazê-lo no próprio aplicativo. Um motorista nos mostrou o sistema de reclamações. Depois de ter sofrido assédio durante uma corrida, motoristas têm duas opções: podem marcar o cliente como “desagradável” (e escrever ao lado o motivo) ou denunciar um “incidente grave”, que o aplicativo define como qualquer coisa que tenha abalado “a segurança pessoal do motorista ou impedido o término da corrida”.

Depois disso, o processo costuma ser bastante impessoal, irritante, demorado e nada transparente, contam as motoristas.

Claro que um motorista pode suspender a corrida e expulsar o passageiro por outros motivos. Mas, de acordo com os motoristas, o aplicativo da Uber não faz distinção entre quem interrompe a corrida por estar sofrendo assédio e quem o faz por motivos genéricos – por exemplo, quando um passageiro exige que ultrapasse o limite de velocidade ou faça um retorno proibido. Depois de receber a reclamação, o aplicativo envia uma resposta automática: “Suas queixas serão levadas em consideração, garantimos que você não terá mais corridas com esse passageiro. Por favor, diga se podemos fazer mais alguma coisa. Estamos aqui para ajudar”.

De acordo com Tracy, o acompanhamento é uma bagunça. Para ela, a Uber teria que, pelo menos, ter um sistema exclusivo para casos de assédio sexual e discriminação – em vez colocar tudo no mesmo saco, junto com reclamações mais comuns, como o GPS que não funciona e passageiros que sujam o carro de comida.

A Uber afirma que tem equipes em Phoenix e Chicago dedicadas em tempo integral a questões consideradas sérias ou sensíveis. Diz ainda que essas equipes passam por semanas de treinamento. Mas não respondeu por que tipo de treinamento (se é que há algum) esses funcionários têm para saber lidar com casos de assédio sexual. Também não revelou quantas pessoas trabalham nessas equipes especiais ou como a empresa classifica as reclamações para garantir que o caso seja tratado pela equipe certa.

De fato, para além da promessa genérica de que incidentes serão “investigados”, a Uber não fala publicamente sobre a forma como lida com denúncias de assédio sexual feitas por motoristas mulheres. Uma das únicas vezes em que conseguimos saber um pouco mais sobre os processos internos da empresa foi em 2016, quando alguém vazou para o BuzzFeed capturas de tela do sistema da companhia, mostrando que, entre dezembro de 2012 e agosto de 2015,  mais de 10 mil reclamações de clientes estavam ligadas a agressão sexual e estupro. O relatório não incluía denúncias de assédio sexual. A Uber afirmou que as estatísticas publicadas pela BuzzFeed induziam ao erro, alegando que, em parte das queixas mostradas, as expressões “agressão sexual” e “estupro” foram apenas usadas na comunicação com os clientes, mas não se referiam a queixas oficiais. À época, a empresa argumentou que “menos de” 170 reclamações se referiam a agressões sexuais concretas e não quis explicar para a BuzzFeed o critério usado para avaliar a credibilidade de uma denúncia de estupro ou de agressão.

Former Uber driver, Rachel Galindo gets ready for the day in her home on April 30, 2017, in Los Angeles, California. As a transgender person, Galindo says she faced a lot of discrimination while driving for the company.

Ex-motorista Rachel Galindo se arruma em sua casa em Los Angeles (30/04/2017).

Foto: Dania Maxwell para The Intercept

Independentemente dos números, as motoristas contam que prestar uma queixa é como gritar no deserto. A Uber não notifica ninguém do resultado das investigações, alegando questões de privacidade.

Uma vez, Galindo escreveu para a notificar a Uber sobre um passageiro que fez um movimento para tocar no braço dela, o que a constrangeu. “Era um cara bem grande, todo apertado no banco da frente. Ele levantou o braço esquerdo para me tocar. Eu levantei o braço direito e empurrei a mão dele com meu antebraço”. O homem cedeu, mas, como ele tinha feito uma série de comentários de mau gosto sobre mulheres durante a corrida, Galindo achou que era melhor alertar a empresa.

Galindo nos mostrou a resposta da Uber sobre o incidente: um e-mail genérico, agradecendo por ela ter sido tão profissional, mas sem indicações de que o caso teria prosseguimento. “Entendo por que você escreveu sobre isso. Sei bem que nem todas as corridas são com passageiros cinco estrelas”, respondeu uma funcionária identificada como Danica. “Confiamos no seu profissionalismo e no seu bom senso para lidar com situações desafiadoras como essa”.

Em outra ocasião, Galindo escreveu para reclamar do fato de que receber avaliações ruins por ser transgênero. “NÃO RESPONDA ASSIM”, escreveu, copiando uma resposta genérica que já tinha recebido da empresa: “ ‘Por favor, não se preocupe com cada avaliação individual. Todos os motoristas acabam pegando um passageiro bravo de vez em quando’”.

Uma funcionária chamada Angilla respondeu com uma variação dessa mesma mensagem: “Entendo sua frustração e fico feliz em ajudar”, escreveu. “Por favor, não se preocupe com cada avaliação individual. Todos os motoristas acabam pegando um passageiro bravo de vez em quando”.

Quando confrontada aos e-mails de Galindo, a Uber afirmou que as queixas estavam sendo investigada por uma equipe especializada em discriminação, mas não teceu mais comentários.

BOSTON - APRIL 22: Uber driver Dean Johnson waits for a customer outside South Station in Boston on April 22, 2016. (Photo by Craig F. Walker/The Boston Globe via Getty Images)

Motorista de Uber espera cliente em Boston (22/04/2016).

Foto: Craig F. Walker/The Boston Globe/Getty Images

Galindo e outros motoristas fazem de tudo para evitar avaliações negativas porque não é fácil voltar a trabalhar para a Uber depois de um desligamento. Para ser reintegrado, o motorista tem que pagar para fazer um curso (parecido com a autoescola) ou comparecer a um dos Greenlight Hub, os precários escritórios que a empresa mantém nas principais capitais. Lá, os motoristas podem se encontrar com funcionários para defender sua causa.

“Para entrar, você não pode levar ninguém junto – nem advogados, nem mesmo um amigo para traduzir, mesmo se o inglês não for sua língua materna”, diz Dawn Gearhart, da Teamsters Union, um dos maiores sindicatos americanos, responsável por organizar os motoristas de Uber no estado de Washington. Gearhart conta também que, no ano passado, chegou a ser expulsa de uma Greenlight Hub em Seattle. Ela estava tentando ajudar um motorista que não falava inglês a recorrer da decisão sobre o caso dele. A Uber nega e diz que tradutores e advogados são bem-vindos, mas que funcionários não estão autorizados a falar com advogados sem a autorização da equipe jurídica.

“Na minha experiência, quase todos os funcionários do Hub são homens”, afirma Tracy, a motorista de Portland, sobre as visitas que fez para acertar problemas de pagamento.

A Uber reitera que mantém uma equipe 24 horas por dia para atender motoristas em dificuldade. Afirma ainda que contrata investigadores para apurar as queixas e que usa dados de GPS e dos clientes nessas investigações. Um representante da empresa não deu mais detalhes sobre o que seria uma “investigação” completa de um caso de assédio sexual cometido por passageiros. Ele também não falou sobre como um motorista pode recorrer de um veredicto que lhe pareça injusto ou que critérios a companhia usa para decidir se uma queixa deve ser apurada ou não.

Beth, que é motorista da Uber em Los Angeles há quatro anos, pediu que seu nome verdadeiro não fosse usado. Ela conta que a empresa tem reagido melhor a motoristas que têm experiência negativa com passageiros. “Assim que eles começaram a funcionar aqui, quando você prestava uma queixa, nem respondiam, era só silêncio”, lembra ela. “Agora, se for algo sério, envolvendo violência ou um grave assédio, e você quiser chamar a polícia, claro que a Uber vai te ligar”.

O representante da Uber ressaltou que a forma como a empresa aborda casos de assédio sexual evoluiu ao longo do tempo, mas não especificou quais novos procedimentos foram instaurados, nem quando. Recentemente, a empresa implantou discretamente uma “linha de emergência” em algumas cidades, para que motoristas possam denunciar incidentes violentos. Mas a Uber ainda não deixou claro se o número tem o objetivo de atender mulheres que sofrem assédio sexual e discriminação, ou se é só para incidentes potencialmente ilegais e violentos. Uma recente reportagem do The Guardian revelou que a empresa se recusou a compartilhar informações de um cliente com a polícia, mesmo depois que uma motorista o acusou de agressão sexual.

Former Uber driver, Rachel Galindo stands for a portrait in her home on April 30, 2017, in Los Angeles, California. As a transgender person, Galindo says she faced a lot of discrimination while driving for the company.

Ex-motorista Rachel Galindo posa para um retrato em sua casa em Los Angeles (30/04/2017).

Foto: Dania Maxwell para The Intercept

“Existe um espaço enorme entre uma coisa inadequada e uma coisa ilegal”, explica Beth Robinson, sócia do escritório de advocacia Fortis Law Partners, que assina uma coluna sobre leis trabalhistas para a revista jurídica Above the Law. “Essas motoristas de Uber se encontram muitas vezes nesse espaço”. As que sentem que a empresa não leva a sério casos de assédio sexual não têm muitas possibilidades legais a que recorrer, acrescenta ela. “Políticas antiassédio existem para proteger empregados em empresas, não interações com terceiros, como é o caso de passageiros e motoristas autônomos”.  

Alguns estados americanos, como a Califórnia, onde mora Galindo, estenderam proteções contra assédio sexual a trabalhadores autônomos. Mas, uma vez que o assédio é cometido por clientes, e não por supervisores, a motorista teria que denunciar a Uber por criar “um ambiente de trabalho hostil”, uma ação complexa, que requer provas de que a situação é “grave” e “sistemática”.

“Se o processo para registrar queixas é basicamente um buraco negro, se uma certa quantidade de mulheres alertou a empresa desse fato e a empresa se recusou a resolver a situação – aí sim, podemos estar falando em algum tipo de eventual responsabilização”, explica Paula Brantner, advogada e ex-diretora executiva da Workplace Fairness, ONG que milita por mais direitos no ambiente de trabalho.

Mesmo que não haja um processo contra a empresa, Brantner sugere que a Uber aproveite a oportunidade para reavaliar a forma como lida com queixas de seus motoristas. “Se não há uma solução legal, tem que haver uma solução via Recursos Humanos”, afirma ela.

Logo após o escândalo Fowler, por exemplo, Kalanick, diretor executivo da Uber, prometeu “uma revisão independente dos problemas específicos vinculados ao ambiente de trabalho e revelados por Susan Fowler, assim como a diversidade e a inclusão dentro da Uber de modo geral”.

Mas a decisão de excluir os motoristas da reformulação das políticas dá a entender que a empresa não está combatendo o assédio sexual em todas as suas formas. “Os motoristas são o coração da empresa – se comparados com o número relativamente pequeno de mulheres que trabalham na sede”, afirma ela.

Pode ser que a Uber esteja apostando que muitas motoristas não vão permanecer tempo suficiente para entender em detalhes como a empresa lida com casos de assédio sexual. Um estudo de 2015 aponta que, em dado mês, um em cada quatro motoristas estava começando na plataforma. E que cerca de metade desse grupo se demitia em menos de ano. A Uber alega que muitos dos motoristas se inscrevem para um trabalho temporário – só para ganhar um dinheiro entre um emprego fixo e outro – e que essa rotatividade é perfeitamente normal.

Apesar de reconhecer que cada motorista tem uma experiência diferente, Tracy afirma que muitos vão embora por conta de casos de assédio. “Excelentes motoristas acabam se demitindo”.

Galindo continuou a trabalhar para a Uber por quatro anos porque o medo de voltar a sofrer discriminação no ambiente de trabalho a impedia de aceitar novamente um emprego no ramo da carpintaria. Mas ela acabou abandonando a Uber depois que um amigo a indicou para um trabalho bem pago de supervisora da equipe de carpinteiros de uma obra.

Ela pensou em processar a Uber. Mas, no fim das contas, as mesmas limitações econômicas que levam motoristas mulheres a aguentar assédio no trabalho também a impedem de continuar com o processo. “Eu vivo contracheque por contracheque, é difícil conseguir uma folga”, diz ela. “Eu não tenho como comprar justiça”.

Atualização: 4 de maio, às 19h05

Essa reportagem foi atualizada para incluir informações adicionais mandadas pela Uber após a publicação, incluindo respostas às afirmações de Gearhart’s sobre os Greenlight Hubs.

Foto do título: Ex-motorista Rachel Galindo posa para retrato em sua casa, em Los Angeles (30/04/17).

Tradução: Carla Camargo Fanha

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